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“Como comer 30 pimentas”: os perigos dos snacks picantes em crianças e como evitá-los

27.07.2025 10:30

Lectura: 6'

2025-07-27T10:30:00-03:00
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Por Cecilia Presa

Bombas, explosões, chamas de fogo e redemoinhos; essas imagens extremas e, sobretudo, chamativas, dominam a embalagem colorida de um novo tipo de snack extra picante e com muito corante vermelho que foi a revolução viral do TikTok até alguns meses atrás, embora agora tenha sido substituído pelo chocolate Dubai —um doce recheado com creme de pistache e fios doces chamados knafeh.

Fora do debate sobre a velocidade com que surgem e desaparecem as modas nas redes sociais —ou a efemeridade das próprias redes— o picante invadiu o mercado de ultraprocessados no Uruguai há pouco tempo. E continua ganhando adeptos, para não dizer viciados.

Rapidamente, os paladares de milhares de crianças e adolescentes se adaptaram a uma sensação de ardência e queimação, que não é comum na gastronomia uruguaia, não exatamente conhecida por seus temperos.

“São produtos com altas quantidades de picante. Picante, como se você comesse 30 pimentas ou pimentões!”, enfatiza Raquel Villegas, dietista-nutricionista especializada em alimentação materno-infantil e integrante da OMIS, a Organização Multidisciplinar pela Integração Social. 

Em conversa com Montevideo Portal, Villegas, além disso, admite que a proliferação desses produtos a deixa “muito preocupada”. 

E o que preocupa não é apenas a ardência, mas tudo o que está por trás: desde o impacto na saúde digestiva até o marketing que mira diretamente nos mais jovens.

As redes sociais estão repletas de influenciadores, a maioria deles pagos pelas marcas, que experimentam esse tipo de snack e reagem a eles. Alguns até ensinam receitas um tanto curiosas que os incluem como ingredientes.

Por trás desse boom, não há um gosto nacional repentino pelo picante, mas sim uma estratégia publicitária dirigida com precisão cirúrgica. “O público adolescente, principalmente, busca transgredir, busca esse desafio. E o marketing é destinado a captar essa atenção”, aponta Villegas.

Estômagos em chamas

O corpo não mente. E menos o de uma criança que não está fisiologicamente preparada para digerir quantidades industriais de picante. “O consumo de picante em doses altas pode gerar problemas digestivos”, alerta a especialista.

Gastrite, inflamação das mucosas do estômago, refluxo, sensação de queimação, diarreias, vômitos, náuseas, mal-estar geral; são alguns dos sintomas que podem surgir em crianças diante da ingestão desse choque de calor.

Além disso, segundo a especialista, em doses extremas, podem até surgir dificuldades respiratórias.

Esses sintomas são especialmente visíveis em crianças que nunca consumiram produtos picantes.

Os dietistas no Uruguai recomendam que não haja nenhum tipo de alimento picante na dieta das crianças até os 3 ou 4 anos. Villegas acrescenta que a situação é diferente em países como México, onde a própria mãe transmite, através da placenta, certa adaptação à ingestão de pimentas ou outros alimentos típicos, permitindo que sejam incorporados mais cedo.

De qualquer forma, a sugestão é “ir com calma”: “Pode-se incluir alguns toques sutis de pimenta, muito suave, a partir dos 3 anos, se a família estiver acostumada a esse tipo de consumo”.

Muito mais que picante

Mas o picante é apenas a ponta do iceberg. O que é vendido como um desafio também vem carregado de sal, gorduras trans e corantes derivados do petróleo.

“Um pacote pode chegar a cobrir entre 40% e 60% do sódio diário recomendado”, explica Villegas. E isso não é tudo: “Esses corantes estão associados ao déficit de atenção, assim como aumentos de histamina em certos organismos mais sensíveis que podem gerar surtos alérgicos na pele”.

“A isso se soma o coquetel habitual nesse tipo de produto: sabores irresistíveis, projetados com precisão para tornar o consumo viciante. Eles são feitos, total e absolutamente, com estratégias de neuromarketing”, afirma Villegas.

E esse neuromarketing funciona. De fato, segundo a Pesquisa Mundial de Saúde Escolar (EMSE) realizada no Uruguai pelo MSP e Unicef em 2022, 53% dos adolescentes entre 13 e 17 anos consomem “comida lixo” pelo menos três vezes por semana.

Neste ponto, a especialista lembra que, apesar dos avanços tecnológicos e científicos, o cérebro humano “ainda funciona como o de um hominídeo que coleta alimentos pelo campo”: “O cérebro nos recompensa com sensações de prazer quando comemos coisas com muita gordura, sal, açúcar. E a indústria sabe disso há muito mais tempo do que os nutricionistas”.

Publicidade que conquista pelo visual

Desde a localização estratégica nas prateleiras até a viralização: tudo está disposto para que os jovens queiram experimentar os novos snacks, que estão em todos os lugares e todos os seus amigos consomem.

Diante disso, Villegas, que é mãe de crianças pequenas, critica: “Não estamos escolhendo com livre arbítrio. Estamos escolhendo porque a formulação do produto é manipulada para sentir esse prazer e necessidade de consumo constante”.

Um estudo do Unicef Uruguai sobre marketing alimentar publicado em 2021 alerta que a publicidade dirigida às crianças promove, em sua maioria, produtos pouco saudáveis.
O relatório sugere limitar o uso de cores brilhantes, personagens animados, promoções e prêmios, e fomentar políticas mais protetoras para a infância.

No Uruguai, a única medida implementada nesse sentido foi tomada em um decreto que data de 2018 (272/018), e que regula a rotulagem frontal dos alimentos —os famosos octógonos que indicam excessos de gorduras, gorduras saturadas, açúcares e sódio— conduzido pelo Ministério da Saúde Pública (MSP).

“É um primeiro passo muito esperançoso, mas faltam outros”, assegura a nutricionista, que considera que, entre outras coisas, deve haver “uma regulamentação real sobre a publicidade dirigida a crianças e adolescentes”.

O que pode ser feito?

Villegas aponta que ainda “há margem de ação” por parte das famílias: em casa, nos aniversários, nos lanches e, até mesmo, nos passeios ao parque. “Não precisamos de grandes elaborações para os lanches”, insiste e exemplifica: “Com uma fruta, um punhado de amendoim, um pedaço de pão com azeite já está”.

Outra sugestão importante é fazer uma mudança nos alimentos disponibilizados para as crianças nos aniversários infantis.

Neste ponto, a nutricionista menciona sua própria experiência com seus filhos: “É 100% possível organizar um aniversário com comida saudável”. “O que eles pedem quando descem do inflável, todos suados de brincar e se divertir, é água. Se você coloca outras coisas e eles veem, isso conta como publicidade. Portanto, eles vão pedir isso outro”, indica.

A proposta de Villegas é repensar, não apenas o que comemos, mas por que comemos. “Por que incluímos nas festas bebidas gaseificadas? Porque nos venderam que isso era felicidade”, questiona e responde.

“Realmente isso é felicidade? Ou felicidade é reunir-se e celebrar genuinamente o renascimento do seu pequeno?”, interpela.

Por Cecilia Presa